Célio Furtado – Engenheiro e professor da Univali celio.furtado@univali.br
Escrevo na tranquilidade dessa noite, ouvindo violão, após a Santa Missa na Igreja Matriz, relativamente perto da minha casa.
Uma caminhada pela Avenida Marcos Konder, com o barulho ininterrupto dos automóveis e motocicletas que descem sempre apressadamente aos mais diversos destinos.
Inicialmente, vem à lembrança uma infinidade de coisas, camadas de fatos que se superpõe no eixo do tempo linear, pois, percorro esse caminho, sozinho ou acompanhado, pelo menos desde o ano de 1962, quando iniciei o Curso Primário, no Grupo Escolar Victor Meirelles, nos meus sete anos de vida.
Guardo pouca coisa desse tempo, uma foto clássica, alguns boletins de cor verde com a assinatura da professora e da diretora, cujo nome eu conservo na memória, a bondade da dona Rozalba, minha primeira professora e a letra belíssima da diretora dona Loni Kobarg Cercal.
Os nomes se sucedem, de professoras, de colegas de classe, do sino inesquecível, do pátio interno, dos hinos patrióticos e das férias escolares; a alegria da infância.
A saída das aulas era uma coisa especial, a felicidade dos grupos de crianças, calça curta, cabelo soldadinho, e sempre o campo do Marcilio, o time rubro anil, os refletores que causavam um impacto nas noites de jogo.
Hoje, na caminhada, observei as cores vermelhas e azuis, no muro, tudo apagado, não há jogo, e tudo é silêncio no “gigantão da avenida”.
Talvez se forçar mais a memória, recuo dois anos atras, quando minha família se mudou do que se denominava “beco do inferninho” para a avenida Joca Brandão, onde resido.
Era uma avenida recém aberta, não calçada, onde as tiriricas estavam em ambos os lados, com as rãs, saracuras, cobras d’água, as noites com vagalumes, pois era um trecho escuro e tenebroso.
O mais seguro, certamente, à noite, para retornar para a casa, era percorrer a rua sete de setembro, com as casas antigas e terrenos baldios.
Não tenho a intenção de um relato linear, apenas as ideias que me vem à mente, quando percorro a avenida, na volta da Missa.
Naturalmente a paisagem modificou radicalmente; Itajaí é uma cidade moderna, próspera, com os seus edifícios arrojados, aumenta a densidade urbana, não há mais terrenos baldios, e, certamente, não se ouve mais o apito do trem chegando de Blumenau, ou melhor, mais longe, de Trombudo Central, o fim da linha.
Também, o fundo do Hospital Marieta era uma chácara, cerca de madeira, e, perto do meio dia se sentia o cheiro inconfundível da comida dos pacientes, a tal necessária dieta.
Entre o Hospital e o campo do Marcilio, tinha algumas casas, e uma mulher que gritava muito, dizia-se que ela era doida.
Uma mente infantil não consegue saber o que é loucura ou normalidade, isso, de certa forma, é coisa de adultos, dos clichês e das convenções sociais, era tudo um espetáculo, algo que me chamava a atenção.
Assim como o homem mudo que espremia a cana para fazer garapa, na esquina do Grupo, a doçura do caldo de cana, a doçura da infância.
Célio Furtado, nascido em 1955/ Professor da Univali/ Formado em Engenharia de Produção na Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Mestre Engenharia de Produção/ Coppe/Ufrj/trabalhou no Sebrae Santa Catarina e Rio de Janeiro. Consultor de Empresa/ Comunicador da Rádio Conceição FM 105.9/ celio.furtado@univali.br
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