Célio Furtado – Engenheiro e professor da Univali celio.furtado@univali.br
Escrevo nesta noite tranquila, ouvindo saxofone, a magia do jazz norte-americano da década de cinquenta, Lester Young (1909- 1986), sempre estimulante e atual.
Em artigos anteriores, tenho mencionado uma certa vocação filosófica em meus escritos, nas entrelinhas, como se quisesse dizer algo mais do que o dito normalmente. De fato, todos nós temos algo de reflexivo, uma certa orientação para o abstrato, mesmo mergulhado na mais explicita concretude.
Lembro-me, na minha juventude, no ano de 1973, num show do Nelson Cavaquinho (1911-1986), ele com o seu violão e um copinho de cachaça, cantando aquelas coisas lindas, no meio da interpretação, parou e olhando para a minha pessoa, no auditório, exclamou: “pensando na vida, meu filho”.
Um fato normal na vida de um artista, a interação com a plateia, porém, me marcou, desde os meus dezoito anos.
Até olhei para trás e para os lados, ele confirmou: “é tu mesmo”. Lembro da figura dele, cabelo branco e liso, uma voz bem popular, um grande artista popular, poderia ter sido qualquer um no auditório, porém, era eu, um jovem calouro de Engenharia, na Ilha do Fundão.
Talvez o dedo na fronte, meu costume, aos moldes dos intelectuais franceses, ou a letra da música, me conduzia a milhares de milhas dali, no tempo e no espaço e confirmava que de fato, eu era um jovem distraído e com certas preocupações filosóficas.
Gostava da comida do Bandejão, era barata e simples, enchia o meu bucho, quase de graça, dando energia para caminhar, magro e cabeludo, pelos corredores do Bloco da Engenharia, do A ao H, do Instituto de Física até a Engenharia Nuclear, o cheiro das águas da Baia da Guanabara e da Favela da Maré.
Não sei qual a canção que ele cantava naquele momento, podia ser “Folhas Secas”, “Juízo Final”, “A Flor e o Espinho”, eram tantas letras lindas, porém, senti uma identificação com o que seria uma certa filosofia popular.
Eu me atinha a extrair significados em coisas simples e pequenas, o asfalto, a concepção de cidade universitária, uma lacraia venenosa, pássaros cantando e o poderoso avião Concorde, com seu som inconfundível, pois lembro que morava ao lado do Aeroporto do Galeão.
Minhas aulas aconteciam principalmente no Bloco F, suas salas, auditórios, laboratórios e o calor carioca; também não ouvia o barulho da avenida Brasil, porém, de alguns ângulos eu avistava o prédio da Fundação Oswaldo Cruz.
Também, dependendo do local eu avistava a Igreja da Penha com os seus degraus: “eu fui à Penha, fui pedir ao padroeiro…” algo assim, era uma canção referente, do nosso catolicismo popular e tão profundo.
Tinha um ônibus, também gratuito, o “azulão”, que me conduzia ao Alojamento dos Estudantes.
Muitas vezes, eu ia caminhando, pensativo e feliz por ser livre e independente na capital cultural do país, a tão admirada e mágica Cidade Maravilhosa.
Muitas vezes me atrevia a ler filosofia e confesso que naquele tempo Baruch Espinoza (1632-1677) me fazia a cabeça, pois confortava minha juventude solitária na cidade grande.
Célio Furtado, nascido em 1955/ Professor da Univali/ Formado em Engenharia de Produção na Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Mestre Engenharia de Produção/ Coppe/Ufrj/trabalhou no Sebrae Santa Catarina e Rio de Janeiro. Consultor de Empresa/ Comunicador da Rádio Conceição FM 105.9/ celio.furtado@univali.br
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