Célio Furtado – Engenheiro e professor da Univali celio.furtado@univali.br
Escrevo nessa noite tranquila, ouvindo um saxofone tenor/jazz, reunindo algumas ideias e lembranças, iniciando a tessitura de um artigo, simples, despretensioso.
Claro que há uma preocupação com o contexto, com o alcance das palavras e também a relevância dos temas. Como ontem foi comemorado o Dia Internacional da Mulher, uma data que está crescendo em importância simbólica e também comercial, senti-me convidado a escrever sobre a minha mãe.
Antes disso eu tinha visto, na semana anterior, uma foto antiga, no face book, no “Itajaí de Antigamente”, uma imagem da “Tecita”, antiga fábrica de tecido de Itajaí, na rua Uruguai, no terreno atualmente ocupado pelo Fórum.
]Uma simples foto de antigas operárias, os homens lá atras, um momento festivo, imaginei, algo como o primeiro de maio.
A foto deveria ser aproximada de 1940, o Brasil não havia ainda entrado na guerra mundial, porém, a Europa estava em chamas.
Entre as fotos, vejo a minha mãe, Benta Borinelli, inconfundível, com o seu sorriso resplandecente, na primeira fila, uma operária tecelã, nos seus quinze anos de idade, aproximados.
Uma foto histórica, com uma relevância máxima, dentro do meu olhar de memorialista. Minha mãe morava na Fazendinha, hoje bem próximo da subida do Morro Cortado, filha de Francisco Augusto Borinelli e de Domingas Orsi, nono e nona, como se dizia na minha infância.
Imagino que naquele tempo o deslocamento era mais problemático, pois o primeiro turno começava as cinco horas da madrugada. Uma longa distância a pé, da Fazendinha até a Tecita, na rua Uruguai, tudo escuro, despovoado, provavelmente iam em turma, entre elas, minha tia Olga, que também está na foto.
Naquele tempo aconteceu uma grande tragédia, que foi noticia em toda a cidade. Um raio caiu e matou o meu tio, uma criança que estava com a minha mãe, que presenciou tudo e ficou traumatizada.
A vida toda a minha mãe tinha o trauma de raio e trovão e transmitia aos filhos esse pavor. Isso acarretou problemas na Fábrica onde ela não podia conviver com o barulho das máquinas, gerava um pavor tremendo, incompatível com a função de tecelã.
Foi transferida para o Controle de Qualidade e penso que na referida foto, minha mãe já estava em nova função.
Os leitores poderão me perguntar, o que esse pequeno relato de um drama familiar tem a ver com o Dia Internacional da Mulher. Eu respondo, tudo! Minha mãe foi uma guerreira, tinha a fibra de filha de imigrante apegada ao trabalho e à fé católica.
Foi uma mãe exemplar, cuidava dos filhos, cuidava do quintal e tinha “uma mão boa” para plantar flores e cultivar o seu pequeno jardim sempre florido e perfumado.
Dona Benta transmitia alegria e entusiasmo pela vida, era procurada para transmitir conselhos e apoio aos corações aflitos e tinha alguma coisa para dar de esmola.
Pra minha mãe não tinha “tempo ruim” ou indisposição; sua terapia era varrer e capinar o chão e cantar desafinadamente, os cantos católicos: “louvando Maria, o povo fiel …”
Célio Furtado, nascido em 1955/ Professor da Univali/ Formado em Engenharia de Produção na Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Mestre Engenharia de Produção/ Coppe/Ufrj/trabalhou no Sebrae Santa Catarina e Rio de Janeiro. Consultor de Empresa/ Comunicador da Rádio Conceição FM 105.9/ celio.furtado@univali.br
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