Célio Furtado –
Engenheiro e professor da Univali
celio.furtado@univali.br
Em artigo anterior, expus, entre tantas coisas, o meu apego à leitura, desde a infância, influenciado pelos meus irmãos, em um ambiente simples onde os meus pais, semianalfabetos, se empenhavam pela nossa educação. Com muito sacrifícios, todos os filhos passaram pelo renomado Colégio Salesiano e, posteriormente, estudaram em Universidades Federais, um fato relevante.
No entanto, o texto mencionado fazia referência a uma velha enciclopédia, em três tomos, o “Dicionário Prático Ilustrado” da Lello e Irmãos, edição de 1957. Os dois primeiros volumes abordavam, de A a Z, temas de geografia, ciências e outros temas afins, muito bem ilustrados, abrangentes, dentro do “estado da arte”, do final da década de 1950.Naqueles verbetes, em um português impecável, tínhamos uma sensação de totalidade, o mundo disponível em definições e ilustrações, um potente instrumento de pesquisa escolar. Já o terceiro volume era destinado a biografias, mapas e características dos países, o mundo tal e qual era visto naquele período.
Itajaí tinha, na enciclopédia, 55000 habitantes e o Brasil cerca de 50 milhões de brasileiros. A fauna e flora eram abundantes e nossas etnias bem definidas, havia um forte contingente de nações indígenas e a África, por exemplo ainda existiam as colônias, o Congo Belga, Angola e Moçambique eram Departamentos Ultramarinos de Portugal e assim por diante.
Aquilo era o “mundo” exposto por uma enciclopédia portuguesa que nos oferecia um certo conforto, uma certa acomodação intelectual compatível com a nossa idade. Confesso que, no meu caso, eu manipulava diariamente esses três preciosos volumes, desenvolvendo uma certa habilidade em temas relacionados ao que denominamos cultura geral: nome das principais capitais, o maiores rios do mundo, os oceanos, as armas de guerra, os pássaros, animais, e tantas coisa úteis e inúteis, ainda que se diga que “saber não ocupa lugar”. No artigo anterior, também falei em ideologias e manipulações das mídias eletrônicas, das fakenews, do efeito devastador das inúmeras mensagens diárias, simultâneas, fazendo “estragos” em muitas mentes despreparadas e desprevenidas.
Na verdade, a manipulação ideológica sempre existiu em formas diferentes e menos intensas, pois sempre nos perguntamos:- onde está a neutralidade, ou qual seria o caminho intelectual mais eficaz?
Olhando para trás, vejo mais nitidamente, o quão manipulador era o Dicionário Prático Ilustrado, um instrumento importante dentro da política de comunicação de Salazar, o eterno comandante de Portugal; um governo nitidamente autoritário e fascista. Basta olhar o tamanho dos verbetes.
Para o Lenin, um dos maiores estadistas do século XX, duas ou três linhas, o mesmo para Marx, Engels ou Stalin.
Fidel Castro ainda não “existia” pois a Revolução Cubana aconteceu em 1959.
Já o Generalíssimo Franco, da Espanha, ocupava uma página inteira e Antônio Salazar, duas páginas.
Hoje, é visível o caráter tendencioso, principalmente o terceiro volume, onde prevaleciam as glorias portuguesas e brasileiras, pois o que estava em jogo era um ideal de um mundo lusófono, o retorno distante e utópico do Império Colonial.
Sou grato à essa iniciação cultural, viajando por esse modesto Dicionário Lello, aprendendo o mundo pelas lentes luso-brasileiras.
Célio Furtado, nascido em 1955/ Professor da Univali/ Formado em Engenharia de Produção na Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Mestre Engenharia de Produção/ Coppe/Ufrj/trabalhou no Sebrae Santa Catarina e Rio de Janeiro. Consultor de Empresa/ Comunicador da Rádio Conceição FM 105.9/ celio.furtado@univali.br
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