Diário de bordo do Capitão Claudio Copello –– Veleiro Gosto D’água retornando para Itajaí

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* Dia 04 – Diário de bordo – Travessia Cabo Frio/RJ – Itajaí/SC – Veleiro Gosto D’água II  *

Partimos de Arraial do Cabo às 8 da manhã. 

 

Ventou muito durante a noite. Saímos pelo Boqueirão e quando demos de cara no mar aberto, o vento soprava em 30 knots, com rajadas de 35. Muito vento!!! Vela mestra no 2° rizo, genoa pela metade e fomos nós a 7 knots de velocidade. Avisos de mau-tempo espoucavam no rádio.

Um ciclone extratropical trazendo do sul ventos fortes, ondas de 4 metros e ressaca. São 19 horas e o vento acabou. Por precaução, recolhemos as velas e ligamos o motor, pois se o vento sul entrar, conforme a previsão, estaremos prontos para o embate. Enquanto tínhamos vento, foi uma velejada deliciosa.

Avistamos muitas baleias, golfinhos e um solitário pinguim que descansava sobre as ondas. Soltamos um corrico desde Arraial e pegamos um belo Bonito, que vai para a panela amanhã.  Final da tarde com um lindo pôr-do-sol na cidade do Rio de Janeiro. Ahhh almoço do chef: frango com legumes e arroz, tudo preparado ontem (cozinhar em travessia é osso).

Mas como não tinha nada pra fazer durante o dia, desci para a cozinha e já deixei uma carne recheada pronta para ir para o forno. Neste momento estou no meu turno de vigília com a Maritza e tenho que prestar atenção nas inúmeras embarcações que estão navegando na área. Revezaremos os turnos de 2 em 2 horas, até amanhã.

Acompanhe o Veleiro Gosto D’água ao vivo:

https://share.findmespot.com/shared/faces/viewspots.jsp?glId=0WN6rkcGzZz2NstsJoCv39ANLU6E9AvNx


 Dia 05 

Finalizei o diário de ontem falando do meu turno de vigília, durante a navegação. Meia noite fui rendido pelo Capitão Copello e pela Cibele, e fui dormir um pouco para reassumir meu posto às duas da manhã.

Naquela altura, já tínhamos passado pela entrada da baia de Guanabara, e o destino traçado era a Ilha Grande. Sabíamos do Ciclone Bomba, que avançava para a região sudeste, e planejamos chegar em Ilha Grande antes dos primeiros ventos e ondas do fenômeno meteorológico.

A todo momento a marinha anunciava ondas grandes e ventos fortes. Deitei rapidamente e procurei descansar. Não se passaram 15 minutos e fui acordado com bolsas, mochilas e água me dando um banho frio dentro do camarote de proa do veleiro. Uma onda acabara de passar por cima do barco e inundou a gaiuta, me dando o maior banho.

Quando entreguei o meu plantão, o mar estava grande, mas naquele momento passou a soprar um vento norte, inesperado, de mais de 35 knots (vento pra dedéu) e o mar ficou muito mexido. Pra complicar, o motor do veleiro começou a falhar e as velas, que já estavam em configuração mínima (rizo da mestra, área vélica da genoa), foram recolhidas e o Capitão Copello tentava atravessar as ondas, buscando um refúgio na altura da Praia de Grumari, distante umas 6 milhas náuticas.  O motor falhava, morria e voltava a funcionar em baixa rotação, imprimindo velocidade de 2 knots. Mal ultrapassávamos as ondas, com um vento de 35 knots de cara. Nessa velocidade, embora parecesse perto, demandaria umas 3 horas de navegação em meio a ondas cruzadas e vento forte, para tentar abrigo próximo a algumas luzes, que acreditávamos serem barcos.

Tripulação coesa e atenta. Fui para o cokpit. Maritza e Cibele, ficaram no interior do veleiro.  Chuva fraca, ondas que jogavam água pra dentro e muito vento na cara e o motor falhando.  Não dava pra usar velas.  Insistimos no curso e quase 3 horas depois chegamos na Praia de Grumari, mas as luzes que vimos, não eram barcos se abrigando, e sim, casas à beira mar. O vento não deu trégua um minuto sequer.

As ondas também.  Embora não fosse um local abrigado, ao menos pudemos lançar âncora e evitar que ficássemos sem motor, à deriva, em meio àquela situação.  Situação sob controle, lá pelas 3 da manhã, assumi o primeiro turno de vigília, pois o barco ameaçava soltar, tal a força do vento. Às 5 entreguei o turno para a Maritza com os mesmos ventos fortes e ondas cruzadas, mas a âncora ficou firme.

Dormi 15 minutos e fui acordado por um enorme estrondo, que tremeu o camarote de proa. Uma forte rajada de vento deu um tranco no veleiro, que teve arrancado do casco o guincho elétrico da âncora, quase botando pra fora 30 metros de corrente e nos colocando à deriva. Corre pra cá e pra lá, resolvemos o problema e resgatamos toda corrente e âncora e saímos de lá por volta das 9 da manhã de hoje, com destino a Ilha Grande, pois sabíamos que o preocupante vento sul, proveniente do ciclone bomba, só entraria à partir das 18 horas. Resultado da ventania: a bandeira nacional virou um trapo. A vela mestra rasgou e quase perdemos o guincho.

Ahhhhh! e sabe aquele peixe que seria o almoço, o vento levou! kkkkk Pegamos tempo bom até próximo à Ilha Grande, mas o motorzinho filho de uma boa senhora, voltou a falhar e acabamos entrando no momento que o vento sul chegou na Ilha Grande. E tome vento com mais de 35 knots e mar mexido.

Entramos na enseada do Abraão 7 e meia da noite, e agora estamos ancorados, seguros, tomando um vinho e rachando de rir dos perrengues que nós passamos.


 Dia 06 

Ainda sobre a “porranca” de ontem. Estamos ancorados na Praia do Abrãozinho, em Ilha Grande. E hoje foi dia de domingo para a tripulação. Folga para todos. Relaxamento total. Aí que mora o perigo!!!! Confidências sempre surgem neste momento. Depois do café da manhã, sempre temos uma boa prosa no cokpit e hoje falamos, mais uma vez, sobre o que aprendemos na situação adversa, narrada no diário 05.

Cibele pedindo o colete salva-vidas!!! Cibele perguntou ao Capitão Copello se ele já tinha passado por uma situação daquela. Ele, no timão tentando se livrar das ondas e controlar o motor que falhava, disse que era uma situação tensa que não tinha passado por ela antes, com seu veleiro, apesar de décadas de experiência como comandante de navios rebocadores. Tadinha da Cibele!!!!.

 

Quando ela me viu, acalmou-se, mas queria o colete a qualquer custo. Para ela se sentir mais calma, demos o tal do colete. Vestida com ele, ficou aquele trambolho kkkk mas, era para o bem dela!

 

 

Enquanto eu permaneci com o Capitão Copello, lidando com a situação no cokpit, Batismo de fogo. Kkkk mas aprendemos muito com a lição. Meus colegas da tripulação são demais! Sentado na popa, dei aula de máscara e snorkell para a Cibele! Aluna 10! Engoliu um pouco d’água, mas em minutos, já estava toda serelepe nadando atrás do veleiro.

Maritza cuidou do almoço (que ficou uma delícia) e depois de algumas cervejas, tiramos um belo cochilo para compensar. Agora, tá todo mundo teclando caladinho, e eu aqui escrevendo o meu diário!

 

 Dia 07 

E o dia amanheceu preguiçosamente… chovia fininho e fazia um friozinho danado do lado de fora do veleiro. Sair da cama? Nem pensar!

 

Aos poucos, cada um foi saindo da sua toca. Tomamos café e batemos aquele papo da manhã. Confidências e mais confidências e muitas gargalhadas das desventuras românticas de cada membro da tripulação. O que é dito dentro do Gosto D’água, fica dentro do Gosto D’água! Decretamos mais um domingo para a tripulação.

Como é bom não fazer nada!

O problema é que não dá pra fazer nada depressa. Tem que fazer nada bem devagarzinho. Maritza pegou o caiaque e saiu pra buscar água potável. Os demais ficaram fazendo… nada… bem devagarzinho! Lá pelas 13:00 o Capitão Copello sugeriu tomar uma taça de vinho, para abrir o apetite. Desceu uma garrafa inteira. Maritza, animada, fez uma bela pasta e um bolo com cobertura de chocolate.

Tem dois violões no veleiro e música rola o dia inteiro. Só Cibele não se arriscou a aprender tocar. Os demais estão empolgados. E eu vou dando as minhas aulinhas. Passamos o dia todo dentro do barco tocando violão, comendo e bebericando vinho.

No mais, só o barulho das ondas quebrando na praia. Uma paz deliciosa.

Meu pé ainda tá inchado. Ninguém me deixa nem levantar. Estão cuidando o tempo todo de mim. Toda hora tem uma água quente para um escaldapés e no final da tarde colocaram uma faixa, passando um óleo aliviador.

O veleiro tá às escuras. Chove lá fora. Cada um na sua toca! Semana boa! Só tem domingo!


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 Dia 08 

Esqueci de carregar o celular na placa solar… fiquei sem bateria, e não pude escrever meu diário ontem! Vamos lá: continua um friozinho aqui.

 

Tomar banho? Nem pensar!!! Kkk

Preparamos o café da manhã, e… tome resenha!

Cibele andava com uma carinha meio sacana e eu já suspeitava que seria o alvo das zoações da manhã! De repente, ela sacou o celular e colocou uma gravação feita enquanto eu dormia na minha toca. Rapaz!!!! Eu roncava que nem um porco gigante! Assustador!!!! Chegava até tremer as paredes do camarote! Havia momentos em que eu tomava fôlego e o ronco estrondava!!!!

Caraca!!!

Cada passada de marcha no ronco era motivo de gargalhadas de passar mal! Quase passei mal, de tanto rir! Ahhhh Cibele… minha vingança “sará malígrina! Kkkk

Maritza fez um feijão delicioso! Nos fartamos! Aproveitou e cozinhou alguns jilós que eu trouxe. Coisa de mineiro, mesmo. O Capitão Copello nunca tinha comido jiló! Coisa de filho único criado com bife e batatas fritas! Ele adorou e combinou bem com a cervejinha que a gente tava tomando.

 

Cibele foi dar uma volta de caiaque e acabou conhecendo Amanda, uma moradora dessa praia linda, descendente dos Caiçaras, e convidou-a para vir a bordo para uma roda de violão e um bom vinho, à noite.

Anoiteceu!

Uma lua maravilhosa surgiu por trás da ilha! Copello buscou Amanda no bote e iniciamos a festa sob a luz da lua. Demais!!!!! Violão, vinho, batuque no veleiro e fomos noite a dentro cantando e ouvindo os casos da Amanda sobre a ilha e seus ancestrais. Foi show!!!!

No veleiro sempre dormimos cedo, mas a festa estava tão boa, que fomos dormir lá pelas 3 da manhã, depois de umas 5 garrafas de vinho! Eita soninho bão!

Hoje, verdadeiro domingo, vamos ter que arrumar toda a bagunça e recomeçar o dia fazendo nada bem devagarzinho!


 Dia 09 –

Dormi bem e não acordei de ressaca, apesar das 5 garrafas de vinho que tomamos na festinha a bordo!

Preparamos o café da manhã, fizemos a resenha da festa e o Copello, Cibele e Maritza resolveram desembarcar para fazer umas caminhadas.

Como o meu pé ainda não está muito confiável, decidi ficar no veleiro (É sempre bom ter alguém a bordo).

Passei o dia ouvindo música e colocando em dia minhas mensagens.

O pessoal chegou só no final da tarde trazendo notícias da ilha e Cibele comprou uns quitutes, que eu adorei.

Agora faremos a resenha do dia para ver todas as fotos que tiraram. Foi um dia calmo e relaxante.

Pude exercitar o silêncio e a introspecção!