OPINIÃO DE CÉLIO FURTADO:SEDE / DESERTO

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Célio Furtado – Engenheiro e professor da Univali celio.furtado@univali.br

Escrevo na tranquilidade da minha casa, ouvindo Monteverdi (Madrigal), enquanto penso em algumas notícias sobre o “mundo”. Tenho lido algumas coisas sobre o pensador holandês/norte americano Nicholas Spykman (1893-1943) que escreve sobre a “Geopolítica da Contenção”, uma abordagem ainda atual sobre posição estratégia diante da nova configuração econômica e militar da nova ordem mundial.

Nós, brasileiros periféricos, podemos e devemos pensar sobre a nossa condição, nosso posicionamento diante do mundo, suas ameaças e oportunidades, os perigos e as possibilidades, pois, na minha opinião devemos manter uma posição de neutralidade, de solidariedade e acolhimento a todos os excluídos do mundo “civilizado”.

Essa tem sido nossa posição, mesmo antes da nossa independência acolhendo os judeus (cristãos novos), ainda que tenhamos a grande mancha, a nódoa inapagável da escravidão negra e indígena.

Grande parte da nossa gente tem raiz na África e também na contínua miscigenação das nossas nações indígenas, gente sofrida e dizimada, que contemplamos tristemente em nossas calçadas vendendo seus artesanatos. Escrevo esse artigo inspirado em uma noticia triste e comum, que acontece com frequência na fronteira México-Estados Unidos, gente que morre, ou é presa e, certamente, maltratada, ao tentar passar para o lado americano.

Uma mulher brasileira morreu de sede, no imenso deserto existente entre os dois grandes países. Toda morte é trágica, porém imagino quão terrível deve ser morrer de sede, a agonia e o desespero de um ser humano que definha dolorosamente até a morte, completamente, desidratado.

 

Gostaria de provocar uma reflexão mais ampla e incisiva, sobre a tragédia cotidiana de brasileiros que querem sair do nosso país em busca de melhores oportunidades lá no exterior. Um fato preocupante, sob vários aspectos, pois demonstra obviamente que perdemos a atratividade para os nossos próprios filhos, nossos compatriotas que não encontram oportunidades nesse nosso país que é “gigante pela própria natureza”, um país privilegiado em recursos naturais, que fala uma só língua, uma unidade nacional, do Oiapoque ao Chuí.

Todos nós, anônimos cidadãos até o mais alto escalão deveríamos lamentar profundamente e, perguntarmos, em um sincero exame de consciência, onde falhamos, como permitimos que uma cidadã brasileira, adulta, possa morrer de sede em outro país, na busca desesperada de outro espaço digno para viver decentemente. Pode parecer demagógica e inoportuna essa pequena reflexão, porém não o é, temos que recuperar a dignidade do povo brasileiro, mexer na sua autoestima, cutucar no verdadeiro e autêntico patriotismo para reconduzir nossa pátria na vanguarda mundial.

Não me refiro a um patriotismo demagógico, manipulado em função de uma determinada facção politica que atualmente está no poder, pois sabemos que as cores do Brasil não são monopólio de um grupo que está provisoriamente no poder, desgastado, conforme todas as pesquisas de opinião.

O Brasil é de todos, de todas as tendências, sendo muito importante esse pluralismo ideológico saudável que fertiliza sempre a nossa democracia, uma difícil conquista do povo brasileiro.

Assim como também, Deus não pode ser instrumentalizado politicamente e, além do mais, “não devemos tomar o seu santo nome em vão”.