Célio Furtado – Engenheiro e professor da Univali celio.furtado@univali.br
Escrevo nesta manhã fria, inverno de verdade, meu cachorro late no quintal e o dia promete ser muito lindo. Ouço música enquanto escrevo (Monteverdi/ Madrigal), e as minhas mãos estão “encarangadas”, esse é o termo.
Lembro-me, na minha infância, no remoto e tão próximo Grupo Escolar Victor Meirelles, as crianças friccionavam as mãos, um exercício inicial, antes de começar o “ditado”, no sagrado aprendizado da alfabetização, algo como, na Idade Média se dizia: “magister dixit”. O frio é sempre inspirador, faz lembrar-me de inúmeros invernos, inclusive, no Rio de Janeiro, onde o inverno não era inverno.
Porém, enquanto escrevo, ocorre-me, na memória, o inverno de 1978, em São Bento do Sul, Hotel Urupês, música alemã nos quartos, a varanda, a cidade vazia, a noite fria e eu com a minha pequena máquina de escrever, produzindo os necessários relatórios.
O meu estilo de escrever até hoje, descritivo e sintético, provavelmente advém daquele tempo onde eu analisava e propunha melhoria da métodos de trabalho, observações atentas do “chão de fábrica”.
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Foi o meu primeiro desafio profissional, talvez o mais marcante, uma espécie de “campanha da produtividade para o setor moveleiro”, direcionado para São Bento e Rio Negrinho. Um importante mergulho no mundo industrial, fábricas de móveis, o cheiro da madeira, o barulho das serras, as prensas, lixadeiras e as conversas no meio da ordem/caos que é uma fábrica. Duas horas de treinamento em sala fechada, e, depois, o convívio e a aplicação prática daquilo que se denominada “Tempos e Movimentos”, a busca da produtividade através da melhoria de métodos de trabalho.
Meu relatório mencionava os resultados obtidos, após um breve diagnóstico colhido no decorrer da semana de imersão na fábrica, algo que depois descobri que os ingleses chamavam de Etnometodologia, algo mais do que uma pesquisa participante. Um relatório simples, bem didático, onde se descrevia o “método atual x método proposto”, as vantagens e as recomendações após treinamento.
Eu já gostava de escrever, inspirado no verão carioca, Rio 40º, as praias, Ipanema e Copacabana, a “Princesinha do Mar”. Também já me ocupava em escrever, enquanto estudante de Engenharia e estagiário, os relatórios após as visitas nas fábricas cariocas na zona norte, Inhaúma, Cascadura, Caju, Jacarezinho, o ônibus cheio na avenida suburbana.
Gostava de São Bento do Sul, os pés de maçã, o frio intenso e a mescla étnica que me impressionou tanto em 1978, meus 23 anos, recém formado em Engenharia de Produção pela UFRJ, o retorno emocionante ao meu estado natal, afinal eu sou barriga verde.
Muitas fábricas de móveis, canela, imbuia e gente dedicada, operários de origem alemã, poloneses, ucranianos, italianos, netos de imigrantes, gente ávida para aprender e crescer profissionalmente, e eu me sentia útil trazendo o saber acadêmico e prático adquirido, sendo estagiário na Federação das Indústrias no Rio de Janeiro, teoria e prática, a dialética necessária para a evolução intelectual.
Datilografar os relatórios no frio de São Bento do Sul, ouvindo música alemã, me fazia bem e me fazia sentir, catarinense/brasileiro, de novo.
Célio Furtado, nascido em 1955/ Professor da Univali/ Formado em Engenharia de Produção na Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Mestre Engenharia de Produção/ Coppe/Ufrj/trabalhou no Sebrae Santa Catarina e Rio de Janeiro. Consultor de Empresa/ Comunicador da Rádio Conceição FM 105.9/ celio.furtado@univali.br
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